A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal que investigou o contrato do transporte coletivo de Campo Grande apresentou na sexta-feira o relatório final da investigação que durou quatro meses. O documento trouxe o pedido de indiciamento aos diretores do Consórcio Guaicurus e também a quatro diretores de autarquias da Prefeitura. Agora, o documento deve ser entregue ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), que decidirá sobre os indiciamentos.
À reportagem, o vereador Lívio Viana, o Dr. Lívio (União Brasil), presidente da comissão, explicou que o relatório final ainda não foi encaminhado ao MPMS, e que isso deverá ser feito na próxima semana por meio da presidência da Câmara Municipal.
O texto do relatório conta com cerca de 200 páginas, com constatações, apontamentos e indiciamentos, do qual cada vereador tirou suas conclusões e encaminhou as sugestões individuais para o documento final.
Relatora da comissão, a vereadora Ana Portela (PL) disse que o relatório foi aprovado por todos os integrantes, sendo assim, unânime. Além de Ana Portela e Lívio Viana, integram a CPI os vereadores Junior Coringa (MDB), Maicon Nogueira (PP) e Luiza Ribeiro (PT).
Entre os apontamentos feitos por eles, a comissão pediu para que o Consórcio Guaicurus esclareça a venda de um imóvel da Viação Cidade Morena, justifique a movimentação financeira de R$ 32 milhões entre a Viação Cidade dos Ipês – que não integra o consórcio – e explique as despesas de manutenção com percentual de 84% e das despesas não operacionais, que saltaram de R$ 250 mil para R$ 11 milhões em 2021.
Além desses três tópicos, a CPI também solicitou o encaminhamento dos dados financeiros, contábeis e operacionais para fiscalização. Também, foi sugerida a substituição imediata de 197 ônibus que já estariam com idade útil de cinco anos vencida e a realização de uma revisão tarifária “justa e favorável à população”, diante da ausência de uma retificação ordinária de 2019, prevista para acontecer a cada sete anos.
Isso posto, foi constatado, de acordo com o relatório, que o município de Campo Grande tem negligenciado a fiscalização do transporte público, “deixando de investir em infraestrutura, modernizar a legislação e realizar concursos para reforçar as equipes da Agereg [Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos] e Agetran [Agência Municipal de Transporte e Trânsito]”, as principais envolvidas no caso do Consórcio Guaicurus.
O documento também sugere o indiciamento de Odilon de Oliveira Júnior e Vinícius Leite Campos, ambos ex-diretores da Agereg, de Janine de Lima Bruno e Luís Carlos Alencar Filho, ex-diretores da Agetran, e de diretores do Consórcio Guaicurus.
Ao Correio do Estado, o professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Sandro Rogério Monteiro de Oliveira, explicou quais os próximos passos depois dos vereadores apontarem suas conclusões.
“O relatório final é submetido a votação dentro da própria CPI. Após a votação, a casa pode enviar ao MP [Ministério Público], que avaliará o relatório e as provas no prazo de 5 a 10 dias do recebimento, que pode decidir pelo arquivamento, requisitar diligências que entender necessárias ou oferecer denúncia”, enfatiza.
INDICIADOS
Odilon de Oliveira Júnior, ex-diretor da Agereg, filho do ex-juiz federal e político Odilon de Oliveira, afirmou que não concorda com sua responsabilização apontada pela CPI, colocando o indiciamento como motivado mais por casos políticos do que pelos fatos.
“Ao meu ver, trata-se de uma interpretação mais política do que técnica dos fatos. Sempre atuei com seriedade. Tanto é verdade que participei de duas gestões do Executivo [Marquinhos Trad e Adriane Lopes]. Minha atuação sempre esteve atrelada às limitações institucionais da Agereg, mas foram graças aos estudos que fizemos que a CPI logrou êxito em indicar pelo indiciamento de diretores do Consórcio”, disse Odilon Junior à reportagem.
Ao Correio do Estado, Vinícius diz não se preocupar com o indiciamento proposto pelos vereadores que integram a CPI por atos de prevaricação e improbidade administrativa, visto que não realizou a revisão tarifária em 2019. “Não conheço o relatório final, mas estou bem tranquilo com relação a minha gestão na Agereg”, pontuou.
A reportagem também entrou em contato com os outros dois apontados pelo relatório. Janine e Luís Alencar afirmaram que ainda não leram o documento, e Alencar também afirmou que vai presencialmente à Câmara Municipal pegar uma cópia do documento. Ambos foram indiciados por supostos atos de prevaricação e improbidade administrativa, igual ao Odilon de Oliveira Júnior.
No caso de Janine, ainda há um agravante, conforme consta no relatório final.
“[Indiciado] por ter se omitido, enquanto dirigente da agência, no dever funcional de fiscalizar o cumprimento das obrigações do Consórcio Guaicurus, mesmo diante de indícios concretos de descumprimento contratual, deixando de adotar as medidas administrativas cabíveis para assegurar a observância do contrato de concessão nº 330/2012”, conclui os vereadores da CPI.
Os diretores e ex-ocupantes desse cargo no Consórcio Guaicurus entre 2012 e 2024 foram indiciados por possível improbidade administrativa. Porém, a empresa afirmou que desconhece os apontamentos feitos pela comissão no relatório final.
“O Consórcio Guaicurus esclarece que não recebeu qualquer comunicação ou documento oficial referente ao relatório em questão”, declara em nota.
INTERVENÇÃO
Entre os apontamentos para o Município sobre o serviço, o relatório da CPI traz a possível intervenção municipal no serviço, hoje feito pelo Consórcio Guaicurus.
“Na hipótese de insucesso desse procedimento, devem ser adotadas medidas mais severas, como a intervenção na concessão ou, em última instância, a declaração de caducidade do contrato, com o objetivo de restabelecer a legalidade contratual, assegurar a continuidade e a qualidade do serviço de transporte coletivo e resguardar os direitos fundamentais da coletividade campo-grandense, em conformidade com as penalidades previstas no contrato de concessão”, diz trecho do relatório que será entregue ao MPMS.
Saiba
Segundo o relatório, em situações de maior gravidade, que comprometam a qualidade do serviço, a Cláusula Décima Quinta autoriza a prefeitura a intervir na concessão, medida que pode vir a ser tomada.
*Colaborou Tamires Santana
Correio do Estado